O coração e o stresse psicossocial
As doenças do coração são muito prevalentes e as perturbações da mente são, também, cada vez mais comuns. E, neste quadro, a presença de um stresse mal gerido é uma combinação fatal.
O stresse psicossocial é inevitável, ou seja, faz parte do nosso dia a dia. Todos existimos num equilíbrio instável em que as imposições da vida, esperadas ou inesperadas, desejadas ou não, obrigam a um esforço permanente de adaptação, confronto e superação. Esta interação entre condições de vida (pessoais, no trabalho, sociais) e as características individuais (estado de saúde, personalidade, aprendizagens, crenças, competências, necessidades, etc.) vai ter impacto ora positivo ora negativo.
A isto chama-se situação de stresse. Ao primeiro resultado chama-se stresse positivo ou eustress, sem consequências indesejáveis para a saúde. Ao segundo resultado, porém, quando as exigências da vida ultrapassam a possibilidade de superação chamamos distress. E aqui já havendo impactos negativos na saúde, quer ao nível físico, quer ao nível psíquico.
Quando o stresse psicossocial é negativo: distress
A ansiedade a depressão são as consequências habituais do distress. E vulgarmente, mas com erro, aplica-se o termo stresse a esta situação. Afinal, também é um ditado popular que a tristeza aperta o coração, ou que o coração pode estar irritável, nevrótico. E tas menções apenas sinalizam que as pessoas têm consciência desta ligação entre stresse e mal-estar/doenças cardíacas.
Como funciona o stresse?
Quando há um estímulo sensorial que nos alerta (algo inesperado ou que a memória encara como perigoso), ou seja, um stressor, todo o nosso organismo «fica alerta» para lidar com ele. Prepara-nos seja para a fuga, seja para a luta e o organismo «prepara-se». Ou seja, o sistema nervoso simpático é ativado, as «hormonas do stresse» libertadas, e há um estado de prontidão hormonal. Toda esta cascata de reações ocorre em milisegundos. E traduz-se em aumento da frequência cardíaca e da respiratória, aumento da tensão arterial, tensão muscular, sudação, secura da boca e mucosas, alteração dos fatores da coagulação, lentificação da digestão, aumento dos glúcidos e lípidos e alterações da imunidade.
O problema maior: quando o stresse permanece
Se o confronto entre o stressor e a pessoa for superado, também rapidamente o organismo se reequilibra e o estado de alerta biológico cessa. Isto é o que ocorre quando somos sujeitos a um trauma súbito: há um «susto», mas com brevidade voltamos a serenar. O problema surge quando este estado de alerta permanece, quando o circuito do medo se mantém ativado. E, na sociedade atual, sabemos que a maior parte das situações são casos de stressores psicossociais contínuos ou sempre em renovação e que não se mitigam pela luta ou pela fuga. É o caso de uma vida instável, sempre apressada e imprevisível, com constrangimentos financeiros, situações de trabalhos pesados, sem autonomia ou compensação, humilhação e abusos, conflitos, problemas pessoais e familiares, frustrações, entre tantos outros.
Basta imaginar o desgaste de um estado de permanente alerta com sobrecarga fisiológica constante em resposta aos stressores. A tensão física e psíquica impede o normal funcionamento e os sinais de distress são inúmeros:
- Ansiedade
- Angústia
- Irritabilidade
- Pânico
- Desespero
- Tristeza
- Desânimo
- Desconcentração
- Indecisão
- Problemas de memória
- Insónia
- Mal-estar geral
- Tremores
- Palpitações
- Vertigens
- Urgência em urinar
- Diarreias
- Vómitos
- Alterações alimentares
- Hipertensão
- Tendência a alergias
- Alterações na vivência sexual
- Suscetibilidade a infeções
- Entre tantas outras
A agravar, usualmente a pessoa em distress faz as piores escolhas:
- Estilos de vida nocivos
- Comportamentos de risco como, por exemplo, abuso de tabaco, álcool, drogas, automedicações.
Às quais se acrescenta uma tendência para o conflito, o que transfere para os envolventes um conjunto de stressores adicionais e multiplica o risco de distress global. Por outro lado, podem ocorrer comportamentos impulsivos autodestrutivos ou o isolamento. Em suma, um indivíduo em distress «infeta» a sua própria existência e o meio em que vive.
Mas e qual o impacto no coração?
Está provado que uma situação de stresse gera reatividade cardiovascular. Verifica-se, por exemplo, maior frequência cardíaca, hipertensão, anomalias na perfusão do coração e de outros órgãos, perda da elasticidade dos vasos, tendência a aterosclerose. Em suma, além da hipertensão instala-se todo um sério risco de eventos cardiovasculares e acidente vascular cerebral (AVC).
É, pois, consensual que o stresse:
- Espoleta ou agrava as doenças preexistentes, neste caso as cardíacas;
- Gera comportamentos de risco para a saúde do coração;
- É um risco direto para as coronariopatias;
- Leva a um efeito em cadeia e transversal às gerações.
A boa notícia é que na interação entre mente e corpo há mais do que o lado automático do sistema nervoso. Há uma via mais consciente, de avaliação e tomada de decisões. Significa isto que há sempre algo que podemos fazer para reduzir os efeitos nocivos e criar mais bem-estar. Perante um stressor podemos proteger-nos e aprender a superar.
Em cardiologia, há muito que se compreende a importância de diminuir os fatores de risco e aumentar os protetores para um coração saudável. Por isso, a gestão do stresse faz parte dos programas de prevenção cardiovascular.
Infelizmente, muitas situações de stresse não dependem de nós. Por isso, hoje sabemos que um dos principais caminhos a seguir para reduzir o impacto do stresse é aumentar as competências pessoais para reagir e tomar controlo da situação.
O que fazer perante uma situação de stresse psicossocial
É importante que:
- Admita que o stresse existe e pode ter consequências para a sua saúde;
- Perceba que há sempre um contributo seu para reduzir os riscos.
- Conheçar os sinais de distress. Aceite que a ansiedade é normal, mas tenha noção quando está a passar das marcas.
- Fique atento aos sintomas: são sinais de alerta. Não os receie, nem os esconda.
- Tente identificar os stressores, aquilo que no seu caso espoleta o distress. Se puder, mude-os.
- Analise a forma como encara e lida com os problemas. Será que tende a perceber tudo como negativo, urgente ou sem solução? Nesse caso, faça mudanças na sua avaliação e ponha as coisas em perspetiva.
- Perceba se anda a antecipar cenários ou sofrer por antecipação. Controle essas fantasias.
- Interiorize que errar é humano, mas que persistir no erro é um absurdo. Se «caiu levante-se» as vezes que forem precisas.
- Perceba se estará a sobrecarregar-se com altas exigências e deveres? Seja mais flexível e tolerante.
- Trace objetivos alcançáveis e mime-se.
- Verifique se estará a culpar outros pelo seu mal-estar. Se lhe dizem que é conflituoso, reconsidere e responsabilize-se.\
- Compreenda as relações entre emoções e o estado físico, bem como a sua influência nos seus pensamentos e no que faz. Está tudo ligado.
- Não se deixe afogar nos problemas: aprenda competências de decisão e execute-as. Delegue. Seja paciente.
- Seja assertivo na comunicação. Diga o que sente, mas com tranquilidade.
- Estimule o bom humor: rir faz bem.
- Harmonize deveres de trabalho com deveres familiares. Não esqueça a família.
- Opte por um estilo de vida saudável. Alimentação, exercício físico, convívio, descanso e passatempos fazem falta nos tempos e doses corretos.
- Aprenda técnicas de relaxamento.
- Peça e aceite ajuda da sua rede social: desabafe sempre que precisar.
- Se está em sofrimento, recorra aos profissionais que o poderão ajudar
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