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O impacto da COVID-19 nas doenças cardiovasculares

A COVID-19 teve e tem um impacto brutal em inúmeras questões de saúde. Acontece que os doentes cardiovasculares, que fazem parte dos tais grupos de risco, são especialmente afetados pela doença. A múltiplos níveis. Mas porque é isto assim?

Certamente terá reparado que, ao falar de COVID-19, tendemos a falar também de grupos de risco. Pessoas que, por uma determinada, ou mais, características, têm uma predisposição para contrair a doença. Ou, por outro lado, cuja mesma é agravada por essa condição. Da mesma forma, também a COVID-19 pode agravar determinadas situações clínicas. Entre estes chamados fatores de risco, encontramos a idade, certas características fisiológicas, hábitos tabágicos, a profissão e, muitas das vezes, doenças já existentes.

COVID-19 e doenças cardiovasculares (DCV)

Acontece que, entre elas, as doenças cardiovasculares – ou os fatores de risco vascular – como é o caso da hipertensão arterial ou da diabetes, são das doenças que mais contribuem para essa classificação de doente de risco.

 

Mas porquê? Que mecanismos fisiológicos estão por detrás? Como tem vindo a ser priorizado o cuidado a esses doentes ao longo da situação pandémica? E o que fica de tudo isto, como aprendizagem para eliminar erros no futuro? São estas algumas das respostas a que nos propomos responder com este artigo.

Como é que a COVID-19 se relaciona com as DCV?

Os doentes com COVID-19 apresentam um maior risco de morte e de complicações cardiovasculares. Isto está bastante claro nos números que nos chegam. Ainda que estes mecanismos estejam, em grande parte, por esclarecer, há já algumas linhas de investigação que nos permitem retirar várias conclusões acerca da infeção por SARSCoV-2.

 

O vírus lesiona as células

 

Para que o sangue circule é necessário que haja uma determinada pressão na corrente sanguínea. Uma das substâncias responsáveis por regular essa pressão é a chamada enzima conversora da angiotensina 2 (ECA2). Acontece que a ECA2 é também onde o vírus SARS-CoV-2 mais gosta de se ligar. Por isso, depois de se reproduzir nas vias áreas, o vírus gera partículas secundárias que se vão ligar a esta enzima no coração, rim, trato gastrointestinal, etc. lesionando as células desses órgãos. Outros dados recolhidos têm mostrado ainda o agravamento de quadros como a isquémia (fluxo inadequado de sangue e oxigénio a uma parte do corpo, como ao coração ou ao cérebro, por exemplo), o aumento dos níveis de coagulação do sangue (perigosos para doenças cardiovasculares como o enfarte ou o AVC) e a inflamação do músculo cardíaco.

 

Aumento da inflamação

 

Por falar em inflamação, a gravidade da COVID-19 está muito relacionada com uma «tempestade» inflamatória que o corpo se vê obrigado a ativar. Neste contexto, ocorre a produção descontrolada de muitas substâncias que, depois (como temos assistido), dão quadros graves de dificuldade respiratória aguda e pneumonia viral. Paralelamente, o músculo cardíaco, chamado miocárdio, também se vê afetado – essas substâncias produzidas podem chegar ao coração e provocar lesões neste músculo tão importante para o funcionamento do mesmo.

 

Tromboembolismo

 

Outra das complicações cardiovasculares associadas à COVID-19 prende-se com os fenómenos de tromboembolismo. Isto é, de forma simplificada, um coágulo de sangue que, ao formar-se, evoluiu para um trombo que bloqueia a passagem do sangue nos vasos sanguíneos. Na infeção por SARS-Cov-2 o risco tromboembólico está aumentado. Mais grave ainda porque, muitas vezes, esta complicação passa despercebida e, como tal, contribui para um desfecho negativo da situação clínica do doente.

 

O problema do colesterol HDL (c-HDL)

 

Por fim, importa referir um problema que, à partida, não seria suposto sê-lo. O colesterol HDL (c-HDL) é conhecido como o «bom colesterol» por algum motivo. Este é o colesterol que está ligado a proteínas de alta densidade (as lipoproteínas HDL) que ajudam a retirá-lo de circulação (entre outros benefícios). Na COVID-19 parece que a sua presença é negativa. As HDL, nessa altura, podem tornar-se disfuncionais, contribuindo para a ocorrência de complicações pulmonares. Exatamente por isso, fármacos que controlam a sua função, níveis e características, estão a ser estudados como uma opção viável na redução das complicações da doença.

O impacto da COVID-19 no doente com DCV

Vistos os mecanismos fisiológicos que se pensam estar associados ao agravamento de alguns parâmetros cardiovasculares na presença de infeção por SARS-CoV-2, e viceversa, importa agora perceber como tem sido a gestão destas doenças durante a pandemia. Para isso, podemos abordar 3 ou 4 aspetos específicos.

 

Os problemas com a medicação

 

Lembra-se atrás quando dissemos que o vírus da SARS-CoV-2 se gostava de ligar a uma enzima conversora da angiotensina 2 (ECA2)? E que essa é responsável pela regulação da pressão arterial? Pois bem, nos doentes com hipertensão (ou seja, em que essa pressão arterial está aumentada) muitos dos tratamentos utilizados consistem numa ação sobre essa mesma enzima. Foi esse um dos tópicos de discussão no início da pandemia: deveriam os doentes que tomam determinada terapêutica para a hipertensão abandonar o tratamento visto pensar-se que estariam em maior risco de doença grave, se infetados?

 

Muitos estudos depois, a resposta tem vindo a ser clara: não existe evidência que sustente o benefício da interrupção do tratamento, devendo este ser mantido ou instituído sempre que indicado.

 

Por outro lado, sabe-se que alguns tratamentos utilizados para a COVID-19 têm vindo a ser associados a um risco aumentado de arritmias cardíacas. Tanto num como noutro caso note: apenas o médico poderá alterar a terapêutica em conformidade. Até lá, mantenha sempre a toma de medicação prescrita.

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Aprender a viver com hipertensão arterial

Como mudaram os cuidados de saúde devido à pandemia?

 

Outro dos problemas nesta relação prende-se com as grandes alterações que tiveram de ser feitas ao nível dos cuidados de saúde em Portugal, por forma a combater os avanços da pandemia. Logo em março de 2020, os episódios de urgência em Portugal diminuíram 48% face aos números expectáveis. Entre 1234 pessoas que afirmaram ter necessitado de consulta médica durante a pandemia, mais de metade (57,6%) não a teve, ou porque os serviços a desmarcaram (35,2%), ou por opção do próprio (22,4%).

 

Para as doenças cardiovasculares, estes números são especialmente graves (estas são as doenças que mais mortalidade provocam no nosso país). As consultas de telemedicina, apontadas como uma solução interessante, denotam algumas dificuldades neste tipo de patologia: além da dificuldade em manter uma comunicação eficaz, sobretudo nos utentes com idades mais avançadas ou com conhecimento limitado da tecnologia, a incapacidade de realização de pesagem ou da medição de perímetro abdominal, e ainda a impossibilidade de medição da tensão (pressão) arterial, por exemplo, inviabilizam uma correta prática clínica.

 

A tudo isto junta-se um deficiente aconselhamento das mudanças do estilo de vida e ainda a gravidade de confusão de sintomatologia COVID-19: por exemplo, doentes com dor torácica cuja triagem foi feita como potencial positivo para SARS-CoV-2, atrasando dessa forma o seu correto tratamento.

 

Os comportamentos de risco e a importância da saúde mental

 

O isolamento social foi a principal medida que preveniu a disseminação exponencial do vírus. E disso não pode haver dúvidas. No entanto, tudo tem uma consequência. Por um lado, este «ficar mais em casa» traz consigo o aumento de outros comportamentos de risco, potencialmente negativos para as doenças cardiovasculares. O aumento do sedentarismo, o aumento do consumo (alimentar, tabágico, etc.) e o isolamento, por exemplo, são todos fatores que não beneficiam em nada a boa saúde do coração. Principalmente os mais idosos, que deixaram de sair à rua para comprar bens essenciais e os doentes crónicos que, como visto atrás, faltaram a consultas e tratamentos por medo de contrair a infeção por SARS-CoV-2, foram especialmente afetados.

 

O agravamento da saúde mental, que é muitas vezes subvalorizada em momentos de crise, é também um vetor brutal de preocupação. Doentes, profissionais de saúde e público em geral são quase unânimes em identificar este aspeto como um dos mais sentidos durante a pandemia. As suas repercussões na saúde (doenças cardiovasculares incluídas) ainda estão a ser avaliadas.

 

A pandemia da COVID-19 trará consequências que estão muito além da nossa compreensão atual. Nos doentes com patologias cardiovasculares, aquilo que hoje já sabemos será certamente reavaliado no futuro. Uma coisa é certa: o seu efeito para os infetados, para aqueles que nunca o foram, mas sentiram na pele as suas consequências sociais e económicas, e o seu peso nos sistemas e profissionais de saúde, será uma preocupação para os anos vindouros.

 

Por fim, junte-se à comunidade Cardio 365º!

Referências
  • Mamade Y, et al., 2020 (N.º3).

  • Mamade Y, et al., 2020 (N.º4).

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